É assim que
Antonio Candido inicia sua análise do período modernista em Iniciação à literatura brasileira.
Um movimento literário que se destaca pelo desejo de quebrar a anestesia dos
sentidos, tão estudada
pelos parnasianos e simbolistas, e colocar a arte/o mundo em um lugar de
descoberta
- Como transformar a forma e o conteúdo da
literatura da época, tão gasta e ausente de novidade?
O fundamento do
modernismo, portanto, era provocar um olhar de estranhamento no público, com a
intenção de colocar o mundo - e todas as suas contradições - sob um novo
prisma.
A arte moderna rompeu
com a vontade de comover o público. Acreditava que essa forma de fazer arte era
desumanizada e manipuladora de emoções. Sendo assim, seu desejo principal é provocar o público/leitor!
"O livro
inicial do movimento foi Pauliceia
Desvairada (1922), de Mário
de Andrade, cujo principal personagem é a cidade de São Paulo, em processo de
desenvolvimento vertiginoso e em vias de transformar-se na mais importante do
país pela população e potência econômica" - Candido.
O desejo de
retomar o primitivismo, encontrar as raízes que nos formam enquanto nação
também foi um fator de motivação para a criação artística. Macunaíma, por exemplo, foi o
resultado de uma pesquisa intensa de Mário de Andrade, que desejava encontrar
uma linguagem fiel a esse "desvairismo brasileiro". Não pretendia
reproduzir a imagem romântica do índio de José de Alencar, e nem reproduzir o
português vernáculo imposto por Portugal, mas encontrar uma identidade própria,
ainda desconhecida, mesmo 100 anos após a nossa independência. Defende que a
literatura brasileira deve ter um papel de RESISTÊNCIA, e propõe uma mudança de
percepção para que se possa enxergar para além do que é dito.
Uma busca
pela identidade do ser brasileiro - "um herói sem nenhum caráter".
"O
Brasil não tem brasileiros"
"Indo às
consequências finais da posição de José de Alencar no Romantismo, Mário de
Andrade adotou como base da sua obra o esforço de escrever numa língua
inspirada pela fala corrente e os modismos populares, não hesitando em usar
formas consideradas incorretas, desde que legitimadas pelo uso brasileiro. Com
isso, foi o maior demolidor da 'pureza vernácula' e do 'culto da forma'."
- Candido.
Esse mesmo primitivismo também levou Oswald de Andrade "a uma interpretação fecunda da cultura brasileira como assimilação destruidora e recriadora da cultura europeia, com vistas a uma civilização desrecalcada e antiautoritária, cujo marco se encontra no importante MANIFESTO ANTROPOFÁGICO (1928).
Uma obra de Mário
de Andrade que simboliza diretamente o rompimento que desejava estabelecer
com os movimentos anteriores, é A
escrava que não é Isaura, que dedica a seu amigo "Osvaldo de
Andrade". Nela, há uma referência direta a este rompimento logo no
título: em 1875, Bernardo Guimarães havia publicado A escrava Isaura, obra
pertencente ao romantismo e que foi reconhecida até pelo imperador Dom Pedro
II.
Era necessário uma escrava do Ararat: "a escrava do Ararat chamava-se Poesia".
"Essa mulher escandalosamente nua é que os poetas modernistas se puseram a adorar... Pois não há de causar estranheza tanta pele exposta ao vento à sociedade educadíssima, vestida e policiada da época atual?"
A Semana de Arte Moderna e todo o movimento que foi se construindo nesse período tomou proporções gigantescas historicamente. Mas logo no prefácio dessa mesma obra,
Mário de Andrade conta:
"É mentira
dizer-se que existe em S. Paulo um igrejó literário em que pontifico. O que
existe é um grupo de amigos, independentes, cada qual com suas ideias próprias
e ciosos de suas tendências naturais. Livre a cada um de seguir a estrada que
escolher. Muitas vezes os caminhos coincidem... Isso não quer dizer que haja
discípulos pois cada um de nós é o deus da sua própria religião. Vamos à
história!"
Nesse sentido, é preciso considerar que:
- não houve preparo por parte dos membros do período
modernista, tudo foi surgindo dessa necessidade de criar um novo país;
- faltaram recursos para fazer uma intervenção de
movimento mais forte e que atingisse todo o país;
- foi limitada; as coisas que ocorreram em São Paulo
não chegaram em todos os estados do país.
Um país que ainda tinha escravidão, que poderosos
desejavam realizar o branqueamento social nessa terra, que prendia e matava
negros, que não permitia que mulheres andassem sozinhas nas ruas, que não dava
condições plenas de vida aos seus cidadãos, PRECISAVA ser remexido, deslocado,
transformado.
Em Vanguardas
latino-americanas há um belíssimo trecho também de Mário de Andrade que explica de forma
metafórica as intenções desse movimento:
Isto é, o que se produzia artisticamente antes não "matava a fome" do povo miserável que habitava essas terras. Apenas enfeitava, mostrava para quem olhasse de longe o quanto era belo esse lugar. Mas quem se aproximava percebia a nossa miséria. E o que os modernistas queriam era matar a fome de pátria desse povo: criando um Brasil que fosse dos brasileiros!
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