Data/Local
1953/1972 - São Paulo SP
Histórico
Fundado nos anos 1950, torna-se o mais ativo disseminador
da dramaturgia nacional que domina os palcos nos anos 1960, aglutinando
expressivo contingente de artistas comprometidos com o teatro político e
social.
A primeira referência brasileira a um teatro em forma de
arena surge numa comunicação de Décio de
Almeida Prado, professor da Escola de
Arte Dramática - EAD, em conjunto com seus alunos Geraldo Mateus
e José Renato no
1º Congresso Brasileiro de Teatro, realizado no Rio de Janeiro em 1951,
destacando o possível barateamento da produção teatral. No mesmo ano, essas
idéias são postas em prática na montagem de José Renato, para O
Demorado Adeus, de Tennessee Williams, ainda no âmbito da EAD.
A fundação da companhia Teatro de Arena ocorre em 1953, com
a estréia, nos salões doMuseu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP, de Esta
Noite É Nossa, de Stafford Dickens. Integram o grupo, entre outros, José
Renato, Geraldo Mateus, Henrique Becker, Sergio Britto,
Renata Blaunstein e Monah Delacy.
Ainda em 1953, produz-se um repertório, que inclui O
Demorado Adeus, de Tennessee Williams, e Uma Mulher e Três Palhaços, de
Marcel Achard, ambas sob direção de José Renato; além de Judas em Sábado
de Aleluia, de Martins Pena, com direção de Sergio Britto, em 1954. As
apresentações ocorrem em clubes, fábricas e salões. No final do ano é
apresentada à imprensa a sala, situada na Rua Teodoro Baima, onde será
instalado o Teatro de Arena.
Até 1956, o Arena experimenta diferentes gêneros de textos,
visando compor um repertório e encontrar uma estética própria. Novo patamar é
alcançado com a fusão realizada com o Teatro Paulista dos Estudantes, TPE, e a
contratação de Augusto Boal para
ministrar aulas sobre as idéias de Stanislavski ao elenco e encenar Ratos
e Homens, de John Steinbeck. Entre os recém- chegados estão Gianfrancesco
Guarnieri, Oduvaldo
Vianna Filho, Milton
Gonçalves, Vera Gertel, Flávio Migliaccio, Floramy Pinheiro, Riva
Nimitz. A presença de Augusto Boal, que havia cursado dramaturgia em Nova York
e conhecia os escritos de Stanislavski pela via do Actor's Studio, conduz o
grupo a um posicionamento político de esquerda. Em 1957, Juno e o Pavão,
de Sean O'Casey trata da luta do IRA, na Irlanda.
À beira da dissolução devido a uma crise financeira e
ideológica, o grupo é salvo pelo sucesso de Eles Não Usam
Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de José Renato,
em 1958. Vislumbrando uma fértil possibilidade aberta pelos textos nacionais,
que colocam em cena os problemas que a platéia quer ver retratados no palco, o
Arena resolve criar um Seminário de Dramaturgia e laboratórios de
interpretação. Novos textos demandam um novo estilo de interpretação, mais
próximo dos padrões brasileiros e populares.
Entre 1958 e 1960, o Arena leva à cena diversos originais
escritos pelos integrantes da companhia, num expressivo movimento de
nacionalização do palco, difusão dos textos e politização da discussão da
realidade nacional. Figuram, entre outros, Chapetuba
Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Boal,
1959; Gente Como a Gente, de Roberto
Freire , 1959, e Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, 1960,
ambos dirigidos novamente por Boal; Revolução na América do Sul, de Boal,
direção de José Renato, 1960; O Testamento do Cangaceiro, de Francisco de
Assis, mais uma direção de Boal, 1961.
Na excursão carioca de Eles Não Usam Black-Tie,
Oduvaldo Vianna Filho e Milton Gonçalves, desligam-se do Arena e em 1961,
participam da criação do Centro
Popular de Cultura - CPC, iniciativa de base estudantil e destinada
à agitação política, ligado à União Nacional dos Estudantes, UNE.
José Renato parte para um estágio na França, no Théâtre
National Populaire, companhia de Jean Vilar. Ao retornar ao Brasil, procura por
em prática a noção de teatro popular, debruçando-se sobre clássicos da
dramaturgia com o objetivo de, a partir de enfoques renovados, descobrir um
teatro vivo e participativo. Essa fase, conhecida como de nacionalização dos
clássicos, registra encenações de grande acuidade artística, fortemente
influenciadas por Bertolt Brecht. Entre outras, são montadas Os Fuzis da
Senhora Carrar, de Brecht, direção de José Renato, e A Mandrágora, de
Maquiavel, dirigida por Boal, ambas de 1962. Nesse período, um colaborador
constante é Flávio
Império, com notáveis criações de figurinos e cenários.
Nomes como Paulo José, Dina Sfat,
Joana Fomm, Juca de
Oliveira, João José Pompeo, Lima Duarte, Myrian Muniz, Isabel
Ribeiro, Dina Lisboa, Renato Consorte, entre outros, integram o
elenco estável.
José Renato sai do Arena em 1962, mudando-se para o Rio de
Janeiro, para dirigir o Teatro
Nacional de Comédia - TNC, onde trabalha para reorganizar essa
companhia estatal, nos moldes do Théâtre National Populaire - TNP. O Arena, a
partir de então, tem entre seus sócios Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal.
Em 1964 está em cartaz O Tartufo, de Molière. A nova realidade que se
configura a partir do golpe militar faz a companhia reorientar os planos, assim
como repensar o repertório. É preciso algo novo, para responder à nova situação
e driblar a censura, que proíbe a representação de peças brasileiras realistas
que faziam parte do repertorio da companhia.
A solução vem com a criação de Arena Conta Zumbi, de
Boal e Guarnieri, que, estreando em 1965, marca o surgimento de um novo
procedimento cênico-interpretativo, denominadosistema
coringa. O tema escolhido é grandioso: a saga dos quilombolas no
Brasil Colônia, momento de aguda resistência dos escravos ao domínio português.
Fala de uma revolução e mostra como é possível construir uma outra realidade,
mais justa e igualitária. Com o Coringa, todos os atores fazem todos os papéis,
alternando-os entre si, prescindindo de um aprofundamento psicológico nas
interpretações. A ligação entre os fatos, a narração dos episódios obscuros
ficam por conta de um Coringa, elo entre a ficção e a platéia. O espetáculo
torna-se um sucesso estrondoso - dois anos em cartaz. As canções de Edu Lobo,
gravadas por diversos intérpretes, invadem rádios e TV, popularizando-se.
A experiência repete-se em Arena Conta Tiradentes, de
Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, em 1967. Novo sucesso, centrado sobre a
Inconfidência Mineira, elevando Tiradentes à condição de mártir da luta contra
a opressão. Este teatro que exorta à revolução política choca-se com a proposta
do Teatro
Oficina, que, no mesmo ano, está em cartaz com a encenação
carnavalesca e antropofágica de O Rei da Vela.
A situação política do país complica-se com a instauração
do AI-5. O grupo novamente tem de reposicionar-se. Augusto Boal organiza e
monta Primeira
Feira Paulista de Opinião, em 1968, no Teatro Ruth Escobar; e
também MacBird, sátira de Barbara Garson sobre a Guerra do Vietnã e o
assassinato de Kennedy. São produções pobres, feitas às pressas, para responder
ao cada vez mais convulsionado momento político.
O palco do Arena é ocupado por duas experiências
frustradas: O Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, que não vai
além da estréia; e La Moschetta, sátira renascentista de Angelo Beolco,
que nem mesmo a interpretação de Gianfrancesco Guarnieri salva do malogro. Em
1969, tenta uma alternativa com A Resistível Ascensão de Arturo Ui, novo
apelo a Bertolt Brecht. Mas o uso do Sistema Coringa, a dispersão de forças de
Augusto Boal dividido entre muitos compromissos, e o clima político concorrem
para um resultado frio, que não prende a atenção do público. Gianfrancesco
Guarnieri desliga-se do Arena.
Uma saída momentânea para a crise é a remontagem
de Zumbi, para percorrer um circuito internacional, no ano de 1970,
juntamente com Arena Conta Bolivar, proibida no Brasil. Utilizando parte de
um elenco jovem, Augusto Boal monta, em 1971, o Teatro Jornal - 1ª Edição,
de onde nasce, no futuro, o Núcleo Independente. Nessa montagem, surge uma nova
frente estética voltada para a mobilização popular. Com a leitura de jornais
diários, o elenco improvisa notícias e apresenta diversas angulações do
problema flagrado, oferecendo-se para ensinar o público. Essa é a gênese
do Teatro do
Oprimido.
Augusto Boal é detido em 1971, em meio a novos ensaios
de Arena Conta Bolivar, e em seguida parte para o exílio. O Arena passa às
mãos do administrador Luiz Carlos Arutin e do Núcleo, grupo remanescente do
espetáculo Teatro Jornal. Doce América, Latino América, criação
coletiva, com direção de Antônio Pedro,
é apresentada até o fechamento do teatro, em 1972.
Segundo o crítico Sábato
Magaldi, "O Teatro de Arena de São Paulo evoca, de
imediato, o abrasileiramento do nosso palco, pela imposição do autor
nacional. Os Comediantes e o Teatro Brasileiro de Comédia, responsáveis pela
renovação estética dos procedimentos cênicos, na década de quarenta,
pautaram-se basicamente por modelos europeus. Depois de adotar, durante
as primeiras temporadas, política semelhante à do TBC, o Arena
definiu a sua especificidade, em 1958, a partir do lançamento de Eles Não
Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A sede do Arena tornou-se, então, a
casa do autor brasileiro.
O êxito da tomada de posição transformou o Arena em reduto
inovador, que aos poucos tirou do TBC, e das empresas que lhe herdaram os
princípios, a hegemonia da atividade dramática. De uma espécie de TBC pobre, ou
econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em porta-voz das aspirações
vanguardistas de fins dos anos cinqüenta."1
A histórica sala é comprada pelo Serviço Nacional de
Teatro, SNT, em 1977, impedindo assim a dissipação da memória de uma das
equipes de maior relevância na cena brasileira. Com o nome de Teatro
Experimental Eugênio Kusnet, ela abriga, desde então, elencos de pesquisa da
linguagem teatral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário