domingo, 4 de agosto de 2013

Filme - O Cheiro do Ralo



Ambientado em São Paulo, O Cheiro do Ralo narra a história de Lourenço (Selton Mello), dono de uma loja que compra objetos usados de pessoas que passam por dificuldades financeiras. Dada a natureza de seu negócio - a aquisição sempre pelo menor preço possível -, Lourenço acaba por desenvolver um jogo perverso com seus clientes. Aos poucos, esse personagem substitui, em seu relacionamento com os clientes, a frieza pelo prazer que sente ao explorá-los em um momento de aflição financeira.


Um dos filmes que tem relação com o universo do Rei da Vela.

terça-feira, 11 de junho de 2013

O Rei da Vela – Manifesto Oficina

José Celso Martinez Corrêa
Arte em Revista 1 – Anos 60. São Paulo, Kairós, 1979
Nós somos muito desenvolvidos para reconhecer a genialidade da obra de Oswald. Nosso ufanismo vai mais facilmente para a badalação do óbvio sem risco do que para a descoberta de algo que mostre a realidade de nossa cara verdadeira. E é verdade que a peça não foi levada nem até agora, nem a sério. Mas hoje que a cultura internacional se volta para o sentido da arte como linguagem, como leitura da realidade através das próprias expressões de superestrutura que a sociedade espontaneamente cria, sem mediação do intelectual (história em quadrinhos, por exemplo) a arte nacional pode subdesenvolvidamente também, se quiser, e pelo óbvio, redescobrir Oswald. Sua peça está surpreendentemente dentro da estética mais moderna do teatro e da arte visual. A superteatralidade, a superação mesmo do racionalismo brechtiano através de uma arte teatral síntese de todas as artes e não-artes, circo, show, teatro de revista etc.
A direção será uma leitura minha do texto de Oswald e vou me utilizar de tudo que Oswald utilizou, principalmente de sua liberdade de criação. Uma montagem tipo fidelidade ao autor em Oswald é um contra-senso. Fidelidade ao autor no caso é tentar reencontrar um clima de criação violenta em estado selvagem na criação dos atores, do cenário, do figurino, da música etc. Ele quis dizer muita coisa, mas como mergulhou de cabeça, tentando fazer uma síntese afetiva e conceitual do seu tempo, acabou dizendo muito mais do que queria dizer.
A peça é fundamental para a timidez artesanal do teatro brasileiro de hoje, tão distante do arrojo estético do Cinema Novo. Eu posso cair no mesmo artesanato, já que há um certo clima no teatro brasileiro que se respira, na falta de coragem de dizer e mesmo possibilidade de dizer o que se quer e como se quer.
Eu padeço talvez do mesmo mal do teatro do meu tempo, mas dirigindo Oswald eu confio me contagiar um pouco, como a todo o elenco, com sua liberdade. Ele deflorou a barreira da criação no teatro e nos mostrou as possibilidades do teatro como forma, isto é, como arte. Como expressão audio-visual. E principalmente como mau gosto. Única forma de expressar o surrealismo brasileiro. Fora Nelson Rodrigues, Chacrinha talvez seja o seu único seguidor sem sabê-lo.
O primeiro ato se passa num São Paulo, cidade símbolo da grande urbe subdesenvolvida, coração do capitalismo caboclo onde uma massa enorme, estabelecida ou marginal, procura através da gravata ensebada se ligar ao mundo civilizado europeu. Um São Paulo de dobrado quatrocentão, que somente o olho de Primo Carbonari consegue apanhar sem mistificar. O local da ação é um escritório de usura, que passa a ser a metáfora de todo um país hipotecado ao imperialismo. A burguesia brasileira lá está retratada com sua caricatura – um escritório de usura onde o amor, os juros, a criação intelectual, as palmeiras, as quedas d’água, cardeais, o socialismo, tudo entra em hipoteca e dívida ao grande patrão ausente em toda ação e que faz no final do ato sua entrada gloriosa. É um mundo kafkiano, onde impera o sistema da casa. Todo ato tem uma forma pluridimensional, futurista, na base do movimento e da confusão da cidade grande. O estilo vai desde a demonstração brechtiana (cena do cliente) ao estilo circense (jaula), ao estilo de conferência, teatro de variedades, teatro no teatro.
O segundo ato é o ato da Frente Única Sexual passado numa Guanabara. Utopia de farra brasileira, uma Guanabara de telão pintado made in the States, verde e amarela. É o ato de come vive, como é o ócio do burguês brasileiro. O ócio utilizado para os conchavos. A burguesia rural paulista decadente, os caipiras trágicos, personagens de Jorge de Andrade e Tenessee Williams vão para conchavar com a nova classe, com os reis da vela e tudo sob os auspícios do americano. A única forma de interpretar essa falsa ação, essa maneira de viver pop e irreal, é o teatro de revista, a Praça Tiradentes. Assim como São Paulo é a capital de como opera a burguesia progressista, na comédia da seriedade da vida do businessman paulistano, na representação através dos figurinos engravatados e da arquitetura que, como diz Levy-Strauss, parece ter sido feita para se rodar um filme. O Rio, ao contrário, é a representação, a farsa de revista de como vive o burguês, a representação de uma falsa alegria, de vitalidade que na época começava na Urca e hoje se enfossa na bossa de Ipanema.
O terceiro ato é a tragicomédia da morte, da agonia perene da burguesia brasileira, das tragédias de todas as repúblicas latino-americanas com seus reis tragicômicos vítimas do pequeno mecanismo da engrenagem. Um cai, o outro o substitui. Forças ocultas, suicídios, renúncias, numa sucessão de abelardos que não modifica em nada as regras do jogo. O estilo shakespeareano interpreta em parte principalmente através de análises do polonês Jan Kott esse processo, mas o mecanismo das engrenagens imperialistas – um mecanismo não é o da história feudal, mas o mecanismo um pouco mais grotesco, mesmo porque se sabe hoje que ele é superável, passível de destruição. A ópera passou a ser forma de melhor comunicar este mundo. E a música do Verdi brasileiro, Carlos Gomes, “O Escravo” e o nosso pobre teatro de ópera, com a cortina econômica de franjas, douradas, pintadas, passam a ser a moldura desse ato.
Aparentemente há desunificação. Mas tudo é ligado às várias opções de teatralizar, mistificar um mundo onde a história não passa do prolongamento da história das grandes potências. E onde não há ação real modificação na matéria do mundo, somente o mundo onírico onde só o faz-de-conta tem vez.
A unificação de tudo formalmente se dará no espetáculo através das várias metáforas presentes no texto, nos acessórios, no cenário, nas músicas. Tudo procura transmitir essa realidade de muito barulho por nada, onde todos os caminhos tentados para superá-la até agora se mostram inviáveis. Tudo procura mostrar o imenso cadáver que tem sido a não-história do Brasil destes últimos anos, à qual nós todos acendemos nossa vela para trazer, através de nossa atividade cotidiana, alento. 1933-1967: são 34 anos. Duas gerações pelo menos levaram suas velas. E o corpo continua gangrenado.

Minha geração, tenho impressão, apanhará a bola que Oswald lançou com sua consciência cruel e anti-festiva da realidade nacional e dos difíceis caminhos de revolucioná-la. Ela não está ainda totalmente conformada em somente levar sua vela. São os dados que procuramos tornar legíveis em nosso espetáculo. E volto para meu trabalho. E volto para meu trabalho, para a redação do espetáculo manifesto do Oficina. Espero passar a bola para frente com o mesmo impulso que a recebi. Força total. Chega de palavras: volto para o ensaio.

Entrevista com Zé Celso


Por que você decidiu montar O Rei da Vela?
Porque estávamos, depois do golpe de 64, perdidos, sabendo que o que tinha sido pensado antes não era mais o mesmo. O país tinha entrado em outra e era preciso descobrir o que estava acontecendo. Pedimos a dramaturgos, cineastas, estilistas, artistas plásticos, para nos enviarem peças, curta-metragens, vestidos, trajes que sintomatizassem essa grande mudança que havia no ar, aliás, em todo mundo não somente no Brasil, e iríamos fazer um espetáculo com essas contribuições todas. Mas nada que vinha nos revelava nada. Até que uma leitura em voz alta do Rei da Vela feita por Renato Borghi num apartamento da Vieira Souto em Ipanema para um grupo resumido de amigos, revelou a potência inclusive retórica do texto que procurávamos. Estava ali. Havia sido escrito de 1933 a 1937, nunca tinha sido montado e iluminava todo momento que estávamos passando. Eu fui para a casa do filho de Oswald, Nonê, com sua primeira mulher, uma francesa, e me atirei no Baú onde estava toda a obra do pai. Li tudo. Virei. Em um mês e meio montamos a peça, ela já estava em nós. E foi a maior revolução cultural que o teatro fez na história do Brasil pelo menos. Pois não ficou só no Teatro, se alastrou como peste no movimento tropicalista que hoje se alastra no movimento mix, no mundo inteiro. Caetano Veloso e Gilberto Gil, são seus divulgadores no mundo, mas cada vez mais aparecem estudiosos que querem saber de donde vem essa grandeza que é deles mas também da libido cultural que a cultura brasileira tem a dar ao mundo e que tem em Oswald sua maior antena.
O que você aprendeu com a montagem de O Rei da Vela?
Que tudo é possível em teatro e na vida. Que a arte tem poder, valor. Oswald escreveu um de seus primeiros livros de poesias, bem pequenininho, com o titulo parodiando as “Indústrias Reunidas Matarazzo: “POESIAS REUNIDAS O.A.” e dizia que suas poesias eram mais poderosas do que as mega indústrias de São Paulo de então. Eu acredito inteiramente. Por isso sua poesia nos faz derrubar paredes, construir teatros e agora se encaminha para o poder maior. O Oficina é cercado de todos os lados por prédios de um magnata da TV, um grande artista animador que foi um camelô: Silvio Santos. Todo o Bixiga quase é propriedade do seu grupo SS – Grupo Silvio Santos. Depois de 25 anos de luta, vamos nos aliar e construir o teatro de Estádio sonhado por Oswald. Quando falo em poder falo em Poder de Presença Humana diante da Presença do Poder Maquínico. Poder das máquinas de desejo como as do Teatro Oficina diante das máquinas castradoras e de especulação do capitalismo. Oswald misturou valores do erudito e do popular, do brega do cafona e do requintado, do político e do alienado, da retórica mais rigorosa e sublime a demagogia, do baixo calão, da eloqüência da vulgaridade, sem perder grandiosa Poesia de toda a vida . Um Maiakoviski muito mais engraçado .
Qual foi a repercussão cultural e artística de O Rei da Vela?
A de catalisadora de uma Revolução Cultural. Pela primeira vez viam-se as figuras dos quadros modernos, da literatura, da música, incorporadas, num corpo de atriz ou ator, na cena, na cenografia, cenografia paródica de Helio Eichbauer, e de seus figurinos, trazendo nos seus três atos cada qual um estilo: ópera, cubismo, teatro de revista, o visual mais marcante do Tropicalismo. Foi para o Cinema, para Moda, para a Luta Armada, para o desbunde, para tudo. Redescobria-se um Brazil, que apesar de colonizado, explorado, devorava seus dominadores e trazia intacta na vida de seu povo o dionisismo, a antropofagia, o carnaval da Grécia do Brasil. Essa revolução continua até hoje, mas soterrada outra vez pelo AI 5, mas que agora no cinqüentenário da morte de Oswald, é retomada, assim como o embrião castrado do 68 no mundo inteiro, que continuou por exemplo aqui no Oficina a ser sempre estudado, amadurecido e vivido sempre com a eternidade do seu aqui agora.
O que você descobriu culturalmente com O Rei da Vela?
Que a Cultura é o fator de maior riqueza e poder do Brasil e que deve dirigir a linha do Banco Central. Felizmente nesse momento nós temos um Oswaldiano no Ministerio da Cutura: Gilberto Gil, juntamente com Celso Amorim nas relações exteriores, são as duas pessoas mais carismáticas e práticas do Governo Lula. Forte no sentido da força da presença transhumana que vale tudo, e que o capitalismo nesta fase hegemônica despreza até na figura humana do próprio capitalista. Seu maior adversário não é a ONG terrorista Al Kaeda, mas a própria vida que não sabe mais nem capitalizar e que joga fora, exclui, ignora ,extermina.
Qual a diferença entre a peça e o filme O Rei da Vela?
Antes de Noilton Nunes e eu partirmos para a montagem do Rei da Vela, nós tiramos um master com todo material filmado e deixamos pré-montado o primeiro, o segundo e o terceiro ato da peça tal como foi montada no Teatro. Hoje há muito interesse em se conhecer a versão teatral que foi extremamente bem filmada por Carlos Alberto Hebert e Rogerio Noel, falecido,com som direto muito bem feito por um Seu Riva, também falecido. Nossa montagem, minha e de Noilton, começa pelo fim da peça e numa montagem não linear fomos ao mesmo tempo que ,juntando todo o material filmado em 1971 – parte no Teatro João Caetano durante uma temporada da peça no Rio e parte em externas, na Semana de Páscoa deste mesmo ano inserindo a própria luta em torno da preservação do filme e do que ele significava como link entre o trabalho passado e o futuro. Tivemos no Oficina uma coisa rara. Morremos uma época totalmente, como Grupo visível, vivendo uma vida subterrânea louca, criativa, mas no completo ostracismo, mortos. Depois ressuscitamos mais fortes do que no primeiro nascimento. O Rei da Vela foi o elo de ligação entre essas duas vidas. Ao mesmo tempo Noilton tem até hoje lutado para fazer um filme sobre Euclides da Cunha na Amazônia, “Paz” na época o projeto chamava-se “Sem Fronteiras”. Ele como eu tinha material de família feito pelos pais e tinha de uma Tragédia: a morte do pai, da mãe, do irmão, num desastre automobilístico. Misturamos nossas paixões e energias e montamos uma mandala apaixonada, por tudo que se passava entre nós e por tudo que cada um de seu lado tinha vivido. Demos nossas vidas, misturamos no filme os dos nossos pais, nossos desejos, tudo ao O Rei da Vela pra que ele tivesse a vida vivida vinda da nossa paixão pelo cinema, por nos mesmos, pelo Brasil que começava a sair da ditadura. Acho que o filme a cada ano que passa é mais rico, porque foi tecido na montagem com rigor, liberdade e inspiração. As vezes chorávamos muito na moviola. É uma tapeçaria de uma ligação muito forte numa época difícil do Brasil em que Abelardo II subia ao poder na abertura lenta, gradual e restrita e o povo continuava na Jaula, sob o domínio de Mr. Jones. Foi proibido pela censura, Liberado para o exterior. Foi para O Festival de Berlim. Teve uma exibição suntuosa na Cinemateca de Paris. Foi para a Índia, e muitos outros países, mas nunca teve um lançamento normal, comercial aqui no Brasil. Quando o filme ficou pronto a Embrafilme estava muito empobrecida a ponto de fechar como distribuidora. Conseguimos com muito custo um lançamento no Rio. Pai Gilberto, um pai de santo, nos apoiava e nos orientava a fazer um trabalho para Exú pondo todo dia na Embrafilme um despacho na portaria. Até que cedessem. E cederam. Concordaram em começar a pensar em distribuir. Na estréia do filme organizamos um Bori, uma refeição de candomblé em que se comem todos os deuses. Pai Gilberto preparou para 300 pessoas. A comida fica no chão em folhas de bananeira e palmeira. Um office boy do Oficina entusiasmou-se muito e soltou um rojão que explodiu um carro Volkswagen estacionado na porta. Fomos todos presos no cinema. Uma parte do publico ficou de dentro e outra de fora e nós os diretores fomos terminar a estréia na delegacia de Copacabana. Mas o filme foi exibido muitas vezes e cada vez com mais sucesso. No dia do cinqüentenário de Oswald ele foi exibido no CINE SESC em São Paulo com uma cópia que tenho há 22 anos, com legendas em inglês e foi um arrebatamento. Agora vamos lançá-lo em DVD.

TEATRO DE ARENA

Data/Local
1953/1972 - São Paulo SP
Histórico
Fundado nos anos 1950, torna-se o mais ativo disseminador da dramaturgia nacional que domina os palcos nos anos 1960, aglutinando expressivo contingente de artistas comprometidos com o teatro político e social.
A primeira referência brasileira a um teatro em forma de arena surge numa comunicação de Décio de Almeida Prado, professor da Escola de Arte Dramática - EAD, em conjunto com seus alunos Geraldo Mateus e José Renato no 1º Congresso Brasileiro de Teatro, realizado no Rio de Janeiro em 1951, destacando o possível barateamento da produção teatral. No mesmo ano, essas idéias são postas em prática na montagem de José Renato, para O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, ainda no âmbito da EAD.
A fundação da companhia Teatro de Arena ocorre em 1953, com a estréia, nos salões doMuseu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP, de Esta Noite É Nossa, de Stafford Dickens. Integram o grupo, entre outros, José Renato, Geraldo Mateus, Henrique Becker, Sergio Britto, Renata Blaunstein e Monah Delacy.
Ainda em 1953, produz-se um repertório, que inclui O Demorado Adeus, de Tennessee Williams, e Uma Mulher e Três Palhaços, de Marcel Achard, ambas sob direção de José Renato; além de Judas em Sábado de Aleluia, de Martins Pena, com direção de Sergio Britto, em 1954. As apresentações ocorrem em clubes, fábricas e salões. No final do ano é apresentada à imprensa a sala, situada na Rua Teodoro Baima, onde será instalado o Teatro de Arena.
Até 1956, o Arena experimenta diferentes gêneros de textos, visando compor um repertório e encontrar uma estética própria. Novo patamar é alcançado com a fusão realizada com o Teatro Paulista dos Estudantes, TPE, e a contratação de Augusto Boal para ministrar aulas sobre as idéias de Stanislavski ao elenco e encenar Ratos e Homens, de John Steinbeck. Entre os recém- chegados estão Gianfrancesco GuarnieriOduvaldo Vianna FilhoMilton Gonçalves, Vera Gertel, Flávio Migliaccio, Floramy Pinheiro, Riva Nimitz. A presença de Augusto Boal, que havia cursado dramaturgia em Nova York e conhecia os escritos de Stanislavski pela via do Actor's Studio, conduz o grupo a um posicionamento político de esquerda. Em 1957, Juno e o Pavão, de Sean O'Casey trata da luta do IRA, na Irlanda.
À beira da dissolução devido a uma crise financeira e ideológica, o grupo é salvo pelo sucesso de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de José Renato, em 1958. Vislumbrando uma fértil possibilidade aberta pelos textos nacionais, que colocam em cena os problemas que a platéia quer ver retratados no palco, o Arena resolve criar um Seminário de Dramaturgia e laboratórios de interpretação. Novos textos demandam um novo estilo de interpretação, mais próximo dos padrões brasileiros e populares.
Entre 1958 e 1960, o Arena leva à cena diversos originais escritos pelos integrantes da companhia, num expressivo movimento de nacionalização do palco, difusão dos textos e politização da discussão da realidade nacional. Figuram, entre outros, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Boal, 1959; Gente Como a Gente, de Roberto Freire , 1959, e Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, 1960, ambos dirigidos novamente por Boal; Revolução na América do Sul, de Boal, direção de José Renato, 1960; O Testamento do Cangaceiro, de Francisco de Assis, mais uma direção de Boal, 1961.
Na excursão carioca de Eles Não Usam Black-Tie, Oduvaldo Vianna Filho e Milton Gonçalves, desligam-se do Arena e em 1961, participam da criação do Centro Popular de Cultura - CPC, iniciativa de base estudantil e destinada à agitação política, ligado à União Nacional dos Estudantes, UNE.
José Renato parte para um estágio na França, no Théâtre National Populaire, companhia de Jean Vilar. Ao retornar ao Brasil, procura por em prática a noção de teatro popular, debruçando-se sobre clássicos da dramaturgia com o objetivo de, a partir de enfoques renovados, descobrir um teatro vivo e participativo. Essa fase, conhecida como de nacionalização dos clássicos, registra encenações de grande acuidade artística, fortemente influenciadas por Bertolt Brecht. Entre outras, são montadas Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, direção de José Renato, e A Mandrágora, de Maquiavel, dirigida por Boal, ambas de 1962. Nesse período, um colaborador constante é Flávio Império, com notáveis criações de figurinos e cenários.
Nomes como Paulo JoséDina Sfat, Joana Fomm, Juca de Oliveira, João José Pompeo, Lima Duarte, Myrian MunizIsabel Ribeiro, Dina Lisboa, Renato Consorte, entre outros, integram o elenco estável.
José Renato sai do Arena em 1962, mudando-se para o Rio de Janeiro, para dirigir o Teatro Nacional de Comédia - TNC, onde trabalha para reorganizar essa companhia estatal, nos moldes do Théâtre National Populaire - TNP. O Arena, a partir de então, tem entre seus sócios Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. Em 1964 está em cartaz O Tartufo, de Molière. A nova realidade que se configura a partir do golpe militar faz a companhia reorientar os planos, assim como repensar o repertório. É preciso algo novo, para responder à nova situação e driblar a censura, que proíbe a representação de peças brasileiras realistas que faziam parte do repertorio da companhia.
A solução vem com a criação de Arena Conta Zumbi, de Boal e Guarnieri, que, estreando em 1965, marca o surgimento de um novo procedimento cênico-interpretativo, denominadosistema coringa. O tema escolhido é grandioso: a saga dos quilombolas no Brasil Colônia, momento de aguda resistência dos escravos ao domínio português. Fala de uma revolução e mostra como é possível construir uma outra realidade, mais justa e igualitária. Com o Coringa, todos os atores fazem todos os papéis, alternando-os entre si, prescindindo de um aprofundamento psicológico nas interpretações. A ligação entre os fatos, a narração dos episódios obscuros ficam por conta de um Coringa, elo entre a ficção e a platéia. O espetáculo torna-se um sucesso estrondoso - dois anos em cartaz. As canções de Edu Lobo, gravadas por diversos intérpretes, invadem rádios e TV, popularizando-se.
A experiência repete-se em Arena Conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, em 1967. Novo sucesso, centrado sobre a Inconfidência Mineira, elevando Tiradentes à condição de mártir da luta contra a opressão. Este teatro que exorta à revolução política choca-se com a proposta do Teatro Oficina, que, no mesmo ano, está em cartaz com a encenação carnavalesca e antropofágica de O Rei da Vela.
A situação política do país complica-se com a instauração do AI-5. O grupo novamente tem de reposicionar-se. Augusto Boal organiza e monta Primeira Feira Paulista de Opinião, em 1968, no Teatro Ruth Escobar; e também MacBird, sátira de Barbara Garson sobre a Guerra do Vietnã e o assassinato de Kennedy. São produções pobres, feitas às pressas, para responder ao cada vez mais convulsionado momento político.
O palco do Arena é ocupado por duas experiências frustradas: O Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, que não vai além da estréia; e La Moschetta, sátira renascentista de Angelo Beolco, que nem mesmo a interpretação de Gianfrancesco Guarnieri salva do malogro. Em 1969, tenta uma alternativa com A Resistível Ascensão de Arturo Ui, novo apelo a Bertolt Brecht. Mas o uso do Sistema Coringa, a dispersão de forças de Augusto Boal dividido entre muitos compromissos, e o clima político concorrem para um resultado frio, que não prende a atenção do público. Gianfrancesco Guarnieri desliga-se do Arena.
Uma saída momentânea para a crise é a remontagem de Zumbi, para percorrer um circuito internacional, no ano de 1970, juntamente com Arena Conta Bolivar, proibida no Brasil. Utilizando parte de um elenco jovem, Augusto Boal monta, em 1971, o Teatro Jornal - 1ª Edição, de onde nasce, no futuro, o Núcleo Independente. Nessa montagem, surge uma nova frente estética voltada para a mobilização popular. Com a leitura de jornais diários, o elenco improvisa notícias e apresenta diversas angulações do problema flagrado, oferecendo-se para ensinar o público. Essa é a gênese do Teatro do Oprimido.
Augusto Boal é detido em 1971, em meio a novos ensaios de Arena Conta Bolivar, e em seguida parte para o exílio. O Arena passa às mãos do administrador Luiz Carlos Arutin e do Núcleo, grupo remanescente do espetáculo Teatro Jornal. Doce América, Latino América, criação coletiva, com direção de Antônio Pedro, é apresentada até o fechamento do teatro, em 1972.
Segundo o crítico Sábato Magaldi, "O Teatro de Arena de São Paulo evoca, de imediato, o abrasileiramento do nosso palco, pela imposição do autor nacional. Os Comediantes e o Teatro Brasileiro de Comédia, responsáveis pela renovação estética dos procedimentos cênicos, na década de quarenta, pautaram-se basicamente por modelos europeus. Depois de adotar, durante as primeiras temporadas, política semelhante à do TBC, o Arena definiu a sua especificidade, em 1958, a partir do lançamento de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A sede do Arena tornou-se, então, a casa do autor brasileiro.
O êxito da tomada de posição transformou o Arena em reduto inovador, que aos poucos tirou do TBC, e das empresas que lhe herdaram os princípios, a hegemonia da atividade dramática. De uma espécie de TBC pobre, ou econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em porta-voz das aspirações vanguardistas de fins dos anos cinqüenta."1

A histórica sala é comprada pelo Serviço Nacional de Teatro, SNT, em 1977, impedindo assim a dissipação da memória de uma das equipes de maior relevância na cena brasileira. Com o nome de Teatro Experimental Eugênio Kusnet, ela abriga, desde então, elencos de pesquisa da linguagem teatral.

                                            ARENA CONTA TIRADENTES

Escola de Arte Dramática - EAD

Data/Local
1948/1969 - São Paulo SP - Período Alfredo Mesquita - Fundação em 2 de maio, no Externato Elvira Brandão
1969 - São Paulo SP - Anexada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP
Histórico
Fundada por Alfredo Mesquita, ocupa uma posição estratégica na formação técnica e estética de diversas gerações de artistas cênicos em São Paulo.
Alfredo Mesquita, pertencente à influente família paulistana proprietária do jornal O Estado de S. Paulo, está, desde a infância, ligado aos acontecimentos culturais. Estuda na Universidade de São Paulo - USP, cria em 1941 a revista Clima, em 1942 a Livraria Jaraguá, e, no ano seguinte, o Grupo de Teatro Experimental - GTE. Em 1936, coloca em cena Noite de São Paulo; em 1938 é a vez de Dona Branca; e, fechando essa trilogia, dirige, em 1939, A Casa Assombrada, três criações amadoras centradas sobre reminiscências da vida paulistana do final do século XIX, com elenco formado por integrantes da alta sociedade.
Entre 1935 e 1937, estagia na França com Dullin e Baty. Esses encenadores fazem parte do Cartel, movimento que reúne ainda Pitoëff e Jouvet, e cujo ideário artístico tem como referência maior Jacques Copeau, que advoga absoluto respeito ao autor dramático, uma encenação rigorosa de conjunto e um perfeito acabamento de cena, expresso em cenários e figurinos de bom gosto e minuciosa observação dos detalhes de época.
Os esforços do GTE em prol de um teatro de apurado acabamento artístico são recompensados com a fundação do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, numa iniciativa do empresário italiano Franco Zampari. Estimulado Alfredo Mesquita cria a Escola de Arte Dramática - EAD. A aula inaugural, proferida por Paschoal Carlos Magno a 2 de maio de 1948, consolida o espírito modernista de que ela irá se revestir.
A Escola inicia suas atividades em regime gratuito no período noturno em salas cedidas pelo externato Elvira Brandão. Uma tradição na EAD é a sopa servida a todos antes das aulas, solução para a falta de tempo daqueles que vinham direto do trabalho. A primeira turma, selecionada através de testes de aptidão, é composta por 37 alunos e entre os primeiros professores estão Vera Janacopoulos (dicção e impostação da voz), Chinita Ullman (mímica), Cacilda Becker (comédia), Clóvis Graciano (cenografia), Décio de Almeida Prado (história do teatro) e Alfredo Mesquita (drama). Em 1949, a Escola é transferida para o terceiro andar do TBC, onde permanece alguns anos. Os professores começam a receber somente após 1951, quando a EAD obtém uma primeira e irrisória verba do Estado.
A Escola ocupa, ainda, dois diferentes edifícios: um casarão na Rua Maranhão e, ao longo dos anos 1960, as dependências do Liceu de Artes e Ofícios.
A EAD é a primeira escola de teatro fundada no país segundo um modelo ideológico e artístico comprometido com o modernismo cênico, marcada por estrita disciplina interna, que sempre fomentou a prática secundada pelos estudos teóricos. Uma inscrição irreverente - "teatro é duro!" -, colocada acima de uma das portas, adverte que ali é local de trabalho e grande dedicação. Ao completar 20 anos de atividades, é incorporada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, na condição de colégio técnico, marcando o fim da era dominada por Alfredo Mesquita.
Em suas diversas fases, lá trabalham como professores muitos profissionais de teatro, entre os quais Alberto D'Aversa, Aída Slon, Antunes Filho, Gaston Granger, Gilda de Melo e Souza, Gianni Ratto, Haydée Bittencourt, Heleny Guariba, Leila Coury, Mariajosé de Carvalho, Mylène Pacheco, Olga Navarro, Pedro Balaz, Renata PallottiniRoberto Freire ,Augusto BoalRuggero JacobbiSábato Magaldi, entre outros; além de diretores encarregados das montagens finais, tais como: Antunes Filho, Ademar Guerra, Gianni Ratto, Maurice Vaneau, Alberto D'Aversa, José Rubens SiqueiraRoberto LageFrancisco Medeiros, Terezinha Aguiar, Rubens Rusche, José Eduardo Vendramini, Luís de Lima e muitos outros.
Ao longo de sua história, constrói invejável folha de serviços ao teatro brasileiro, formando atores, cenógrafos, críticos, dramaturgos e diretores. Dela saíram nomes de relevo incorporados ao profissionalismo e até mesmo grupos completos, como a Royal Bexiga's Company ou o Pessoal do Victor. Entre outros, formaram-se pela EAD: Monah Delacy, José Renato, Armando Paschoal, Xandó Batista, Floramy Pinheiro, Jorge Andrade, Emílio Fontana, Bertha Zemmel, Francisco Cuoco, Miriam Mehler, Assunta Perez, Ruthinéa de Moraes, João José Pompeo, Myrian MunizIlka Marinho ZanottoSérgio Mamberti, Sylvio Zilber, Edgar Gurgel Aranha, Aracy Balabanian, Silnei Siqueira, Nelson XavierYara Amaral, Rodrigo Santiago, Paulo Villaça, Celso NunesAlberto Guzik, Sônia Guedes, Zanoni Ferrite, Analy Alvarez, Umberto Magnani, Antônio Petrin, Bri Fiocca, Cláudio Luchesi, Ney Latorraca,Esther GóesJandira MartiniCarlos Alberto Soffredini, Cristina Pereira, Walter Franco.
Em seu repertório figuram autores e estilos de todas as épocas, em montagens muitas vezes escolhidas em função de sua complexidade cenográfica e de caracterização, propiciando aos alunos um aprendizado intensivo. Dos trágicos gregos aos elisabetanos, do teatro clássico francês aos realistas do século XIX, o repertório inclui ainda algumas encenações pioneiras no país, como A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht, em 1951;Esperando Godot, de Samuel Beckett, e O Anúncio Feito a Maria, de Paul Claudel, em 1955;Ubu Rei, de Alfred Jarry, em 1958; além de montagens de grande porte, como Macbeth, de Shakespeare, em 1962; Teatro Cômico, de Goldoni, em 1958; Na Festa de São Lourenço, de José de Anchieta, em 1960; Os Persas, de Ésquilo, em 1961; O Burguês Fidalgo, de Molière, e As Alegres Comadres de Windsor, de Shakespeare, em 1968.
No depoimento do crítico Paulo Mendonça, que também foi um de seus professores, "a expressão 'elevar o nível do teatro' - melhorar a formação técnica e cultural dos que a ele pretendiam dedicar suas vidas - pode parecer, aos moços de agora, pretensiosa, quem sabe de intenção um tanto elitista. Na época não era nada disso. O nível do teatro precisava mesmo ser elevado, em termos de repertório, de gosto, de mentalidade, de qualidade da maioria dos autores, atores, diretores, cenógrafos, críticos etc. (...) Mas estava na hora de mudar, de atualizar padrões, de ousar, de situar nossa arte cênica à altura do que se fazia nos centros mais adiantados. Depois viriam as condições para projetar nossa identidade nacional. (...) Educava-se o espírito e educava-se o corpo dos alunos. Teatro é duro. Não basta ter jeito, nem mesmo, em certos casos, talento: é necessário saber também desenvolver o que eu chamaria, à falta de melhor expressão, uma consciência teatral ampla e solidamente fundamentada"


Teatro Brasileiro de Comédia - TBC


Data/Local
1948/1964 - São Paulo SP

Histórico
Companhia paulistana, fundada em 1948, pelo empresário Franco Zampari, que importa diretores e técnicos da Itália para formar um conjunto de alto nível e repertório sofisticado, solidificando a experiência moderna no teatro brasileiro.
Após a montagem de uma peça amadora de sua autoria, em 1945, o empresário italiano Franco Zampari aproxima-se cada vez mais do movimento amador existente em São Paulo. Como havia escassez de salas disponíveis para as apresentações, ele toma a iniciativa de fundar o Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, alugando um edifício no bairro da Bela Vista e transformando-o em confortável teatro, estruturado em moldes industriais de produção. No mesmo espírito são criados o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, num empreendimento de Ciccillo Matarazzo e, logo a seguir, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz.
A estréia do TBC dá-se em 1948, com as apresentações de La Voix Humaine, de Jean Cocteau, por Henriette Morineau, em francês, e A Mulher do Próximo, de Abílio Pereira de Almeida, pelo Grupo de Teatro Experimental - GTE, dirigido por Alfredo Mesquita. Seguem-se outras produções de amadores até que, em 1949, o conjunto se profissionaliza, lançando Nick Bar...Álcool, Brinquedos, Ambições, de William Saroyan, sob a direção deAdolfo Celi.
A contratação do encenador italiano, formado pela Academia Nacional de Arte Dramática de Silvio D'Amico, é decisiva para o futuro da companhia. Com Celi, o elenco permanente inicia um longo aprendizado técnico e artístico, submetendo-se às exigências de uma montagem moderna, esteticamente sofisticada. Aldo Calvo, o primeiro cenógrafo contratado, ratifica essa opção. Cacilda Becker é a primeira atriz profissionalizada e à sua contratação seguem-se as de: Paulo Autran, Madalena Nicoll, Marina Freire, Ruy Affonso, Elizabeth Henreid, Nydia LiciaSergio CardosoCleyde Yáconis, entre outros.
Os textos são escolhidos em função das dificuldades técnicas oferecidas mas, igualmente, de olho na bilheteria, no gosto do público. Na temporada de 1949, são apresentadosArsênico e Alfazema, de Joseph Kesselring, e Luz de Gás, de Patrick Hamilton, ambos dirigidos por Celi, exercícios que antecedem as montagens de Ele, de Alfred Savoir; e O Mentiroso, de Carlo Goldoni, primeiras direções de Ruggero Jacobbi na casa. Os tecidos dos figurinos são especialmente confeccionados na tecelagem Matarazzo; armas e adereços são forjados em metalúrgicas, contribuindo para o brilho e o sucesso, sem precedentes, até então.
Em 1950, seguem-se Entre Quatro Paredes (Huis Clos), de Jean-Paul Sartre, trazendo à cena o existencialismo como pano de fundo para a atitude amoral dos protagonistas; Um Pedido de Casamento, de Anton Tchekhov, ambas direções de Adolfo Celi; e Os Filhos de Eduardo, de Marc-Gilbert Sauvajon, dirigido por Ruggero Jacobbi e Cacilda Becker; realizações bem feitas que preparam outra grande produção A Ronda dos Malandros, de John Gay, controvertida montagem de Jacobbi que deixa abruptamente o cartaz e marca o desligamento do diretor da companhia. Ziembinski passa a integrar o conjunto e também a dirigir encenações, tais como: Assim Falou Freud, de Anton Cwojdinski; O Homem de Flor na Boca, de Luigi Pirandello, entre outras. A Importância de Ser Prudente, de Oscar Wilde, marca a estréia do diretor Luciano Salce, que encena também O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, outra grande e irrepreensível produção, que faz muito sucesso e fica semanas em cartaz. Ainda nessa temporada, numa criação considerada antológica, Cacilda Becker interpreta um garoto de 13 anos em Pega Fogo, de Jules Renard, e a peça permanece meses em cartaz. Paiol Velho, de Abílio Pereira de Almeida, é um dos raros textos de autor nacional levados ao palco pela companhia.
A montagem de Seis Personagens à Procura de Um Autor, de Luigi Pirandello, em 1951, registra mais um trunfo de Adolfo Celi; seguida imediatamente de outra produção ambiciosa: Convite ao Baile, de Jean Anouilh, encenação de Luciano Salce.
Duas novas realizações merecem destaque: Ralé, de Máximo Gorki, com Maria Della Costaà frente do elenco, única produção em que atua no TBC, e A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, grandiosa encenação de Luciano Salce, comemoração dos três anos de existência do TBC, que ocupa o Theatro Municipal, destacando Cacilda Becker como protagonista.
Em 1952, a montagem mais bem acabada é Antígone, uma versão de Adolfo Celi que une a tragédia clássica de Sófocles e a versão moderna de Jean Anouilh num programa duplo.
No ano seguinte, são montadas Divórcio para Três, uma comédia de Victorien Sardou, sob a direção de Ziembinski, e Treze à Mesa, de Marc-Gilbert Sauvajon, que marca o retorno de Ruggero Jacobbi à direção de espetáculos na casa e a estréia do jovem Antunes Filho, como assistente de direção da montagem. Assim É...(Se Lhe Parece), de Luigi Pirandello, direção de Luciano Salce, reconduz o conjunto ao sucesso e é considerado pelo críticoDécio de Almeida Prado como "o melhor espetáculo que o TBC apresentou até hoje".1 ComUma Certa Cabana, que marca a entrada de Tônia Carrero no conjunto, Franco Zampari tenta atrair um público mais amplo para suas realizações. Ao término de 1953, o TBC é um empreendimento artisticamente consolidado, mas amarga dívidas e registra alguns afastamentos, como os de Madalena Nicoll, Leonardo Villar, Ruy Affonso e Elizabeth Henreid. O casal Sergio Cardoso e Nydia Licia sai para fundar sua própria companhia, aCompanhia Nydia Licia-Sergio Cardoso .
No ano de 1954 é a vez de Mortos Sem Sepultura, de Jean-Paul Sartre, em direção deFlaminio Bollini; e Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, dirigido por Adolfo Celi, realizações entremeadas a comédias e vaudevilles sem significado maior. A crise econômica, todavia, continua rondando o empreendimento. Como alternativa, Franco Zampari abre uma sucursal do TBC no Rio de Janeiro. Pensa, desse modo, explorar mais longamente as produções.
A primeira montagem de 1955 é Santa Marta Fabril S. A., de Abílio Pereira de Almeida, sucesso estrondoso de crítica e público. Após um incêndio, que destrói parte dos equipamentos e figurinos, a companhia volta com as boas encenações de Ziembinski paraVolpone, de Ben Johnson, peça que confirma o talento de Walmor Chagas, e Maria Stuart, de Schiller, em um grande embate cênico entre as irmãs Cacilda Becker e Cleyde Yáconis. Mas 1955 marca a saída de um núcleo importante: Tônia Carrero, Adolfo Celi e Paulo Autran, desligam-se do TBC para fundar companhia própria no Rio de Janeiro.
Os próximos anos serão oscilantes para o conjunto. Entre as montagens bem-sucedidas do ano de 1956, constam: A Casa de Chá do Luar de Agosto, de John Patrick, primeira encenação do belga Maurice Vaneau para a companhia; Eurydice, de Jean Anouilh, direção de Gianni Ratto e Gata em Teto de Zinco Quente, de Tennessee Williams, outra direção de Vaneau.
Em 1957, Rua São Luís, 27 - 8º Andar, de Abílio Pereira de Almeida, é escolhido porque o autor, após triunfante carreira com Moral em Concordata, pelas mãos de Maria Della Costa, insiste com Franco Zampari para que invista no texto e entregue a encenação a Alberto D'Aversa, o novo diretor artístico. O sucesso da escolha adia parcialmente nova crise na rua Major Diogo.
Ainda nesse ano, Cacilda Becker sai do conjunto, levando consigo Walmor Chagas, para fundar o Teatro Cacilda Becker - TCB.
Em 1958 surge uma realização de sucesso: Um Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller, outra ótima encenação de D'Aversa. No mesmo ano, o Teatro de Arena estréia Eles Não Usam Black-Tie e, no ano seguinte, o Teatro Maria Della Costa - TMDC leva à cena Gimba, dois textos de Gianfrancesco Guarnieri que expõem a realidade brasileira com vigor. Um novo momento artístico se desenha então no horizonte, atraindo o público e, a partir dele, Franco Zampari perde o pé na condução do TBC. A crise financeira, artística e de repertório torna-se incontornável. Em 1959, será a vez de Fernanda Montenegro abandonar o TBC, fundando com Sergio Britto, Gianni Ratto e Ítalo Rossi, o Teatro dos Sete.
Em 1960, Franco Zampari entrega a direção da casa à Sociedade administradora e a direção artística a Flávio Rangel, primeiro diretor brasileiro a assumir a companhia. Após uma injeção de verbas públicas, visando sanear as despesas, há o redirecionamento do repertório e sua primeira encenação é a de O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. Inicia-se, desse modo, a fase nacionalista do TBC. Flávio dirige ali alguns sucessos de impacto: A Semente, de Gianfrancesco Guarnieri; A Escada, de Jorge Andrade, ambos de 1961; A Morte de Um Caixeiro Viajante, de Arthur MiIler e A Revolução dos Beatos, de Dias Gomes, como também Yerma, de Federico García Lorca, conduzido por Antunes Filho, 1962; e Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, última produção da companhia, em 1964.
O TBC é o empreendimento que transforma o rumo da cena nacional. A partir da experiência desta companhia, cujas atividades se estendem por 16 anos, consolida-se o advento da encenação moderna no país; a profissionalização dos atores; a simbiose entre divertimento e cultura, sem que se perca de vista o fator da produtividade aferido pelo faturamento da bilheteria; o treinamento e a formação do ator no sentido da subordinação ao conceito do espetáculo, ou seja aos parâmetros da encenação (a visão do diretor); tem também o projeto da casa de espetáculos agregando uma oficina de produção teatral (ateliê, guarda-roupa, marcenaria, arquivo).
Segundo Alberto Guzik: "O TBC erige um modelo de ação. Modelo passível de ser discutido, valorizado, negado. Tudo isso tem sido feito incessantemente desde 1964. Mas o tempo decorrido começa a derreter as paixões do debate e permite a emersão da verdadeira face dessa casa lendária. O feito de seu repertório eclético até a extravagância é uma experiência irrepetida no Brasil, nessa intensidade. Em dezesseis anos, foram levadas no palco da Major Diogo cento e quarenta e quatro obras, vistas por quase dois milhões de pessoas. Para isso, como diz Paulo Autran, como diz Elizabeth Henreid, como dizem todos os atores saídos das fileiras do TBC, foi necessário muito trabalho".2

Em depoimento a Maria Thereza Vargas, Cacilda Becker destaca: "Até 1956 tudo conseguiu caminhar bastante bem, porém desse ano em diante, Zampari começa a lutar com dificuldades tremendas. (...) O governo não assistia o TBC. Zampari teria merecido apoio irrestrito de qualquer governo do mundo, mas o nosso nunca lhe ofereceu. (...) No enterro de Zampari, Alfredo Mesquita me disse: 'O teatro brasileiro deve muito a muita gente, principalmente ao velho Ziembinski, a Paschoal Carlos Magno, mas sobretudo a Franco Zampari. Todos eles deram tudo o que tinham, mas Zampari deu mais, deu a vida...' 






domingo, 9 de junho de 2013

Trailer do documentário Tropicália




História da música brasileira


A identidade nacional brasileira está entrelaçada com sua cultura musical.
Nos anos 30 o samba foi usado por políticos para estimular a unidade, neste fasto país multiracial.
Apesar de, após um golpe militar em 1964, músicos terem sido censurados ou presos. Desde os anos 80, o Brasil democrático vem enfrentando novos desafios com o abismo entre ricos e pobres, brancos e negros, refletidos nos diferentes estilos musicais que sugiram em quatro cidades, que dominariam a musica brasileira.